segunda-feira, 9 de maio de 2011

Lembranças de um período de mudanças...

Para mim, o segundo domingo de maio tem sido um dia melancólico nos últimos anos. Mais especificamente, nos últimos quatro anos, depois que prematuramente perdi minha mãe. E assim foi o dia de ontem. Estava na sala quando meu irmão me chamou para me mostrar algumas fotos da viagem que fizemos entre dezembro de 2006 e janeiro de 2007 para Fortaleza. Foram as últimas férias que passei com minha mãe. As imagens que vi me puseram a pensar.

A foto acima, acredito ter sido tirada no dia 28 de dezembro de 2006. O local é a colina do Horto, em Juazeiro do Norte, no Ceará. Foi nossa última longa parada antes de completarmos a viagem de mais de dois mil quilômetros de carro de Cavalcante até a capital cearense. Esse desvio de rota foi exigência de minha mãe, que queria conhecer a estátua de Padre Cícero, localizada ali. Foi uma viagem marcante. Tanto, que decidi escrever este texto para externar algumas impressões que ficaram marcadas em mim.

Em 2006, eu com 17 anos de idade havia concluído o Ensino Médio e passado pela frustração de uma reprovação no vestibular (havia prestado para Engenharia da Computação na UFG). Confuso, não tinha certeza de como seria minha vida nos anos seguintes. Há muito não via meus pais nem meu irmão, pois já estava há 3 anos em Goiânia, e eles moravam em Cavalcante. Fui para lá, passamos o natal em família e partimos no dia 26 para essa viagem que vai ficar para sempre em minha memória.

Eu já era filiado ao PCdoB, e já devorava a literatura marxista diariamente. No entanto, ainda não havia me aproximado da militância, e nem conhecia muito bem a realidade do Brasil. Meu pai decidiu realizar o primeiro grande desvio em nossa rota, e passar por dentro do sertão pernambucano, nas proximidades da cidade de Serra Talhada. Aquela realidade me comoveu profundamente. O contato com os pequenos vilarejos, de clima árido e povo sofrido, colocou na frente dos meus olhos algo que antes só havia “ficado sabendo” que existia pelo que via na televisão. A sincera gratidão que os moradores locais demonstravam quando lhes dávamos uma simples garrafa de água mineral era surpreendente.

Outro fato marcante, anterior a passagem por Pernambuco, foi a precariedade das condições de infra-estrutura do Estado da Bahia. Lembro-me que as estradas nas regiões menos centrais eram quase intransitáveis. Demorávamos duas, três horas para percorrer um trajeto de 50 quilômetros. Meu pai e minha mãe, revoltados, comentavam que se tratava do descaso da oligarquia Magalhães para com o interior baiano. Tive o privilégio de sempre conviver com pais que discutiam política.

Depois de uma longa viagem, de mais de três dias, chegamos enfim à Fortaleza. O mar já não era novidade para mim, mas a beleza das praias daquela cidade talvez tenha sido a mais impressionante que já vi. Alugamos um apartamento próximo à praia de Iracema, onde permaneceríamos por cerca de duas semanas. A virada do ano teve show da Elba Ramalho na praia e queima de fogos de quase 30 minutos. Tudo muito bonito, que me faz ter vontade de voltar lá em breve.

O descanso, e longas conversas com minha mãe, nos levaram a decidir que eu passaria o primeiro semestre de 2007 na casa dos meus pais, em Cavalcante, estudando por conta própria para um novo vestibular. Assim foi. Ao sair de Fortaleza voltamos para a Chapada dos Veadeiros, onde eu ficaria até o fim de junho. Esse período foi responsável por uma grande transformação em minha vida.

Ignorando a idéia inicial de me preparar para o vestibular, criei uma rotina mais livre. Dormia a manhã toda, lia Marx, Engels, Lenin e outros autores progressistas à tarde, e à noite, jogava xadrez e bebia conhaque com um primo carioca que também estava “exilado” em Cavalcante. Fazia exatamente isso, rigorosamente todos os dias.

A biblioteca pessoal de minha mãe, que era Pedagoga, me pôs em contato com textos de Paulo Freire, Vygotsky, Machado de Assis, e outros que despertaram meu interesse para a ciência da linguagem. Vinícius de Moraes, Cecília Meirelles e Fernando Pessoa abriram minha mente para a poesia. São desse período os primeiros poemas que assinei. Quando voltei para Goiânia tinha duas certezas: primeiro que precisava fazer algo mais que ficar só estudando a literatura socialista, segundo, que as ciências exatas não eram, definitivamente, o que eu queria.

Comecei o cursinho pré-vestibular em agosto de 2007, mesmo mês que minha mãe veio para Goiânia já bem afetada pelo câncer que enfrentava há sete anos. A perdemos em 19 de setembro, e, infelizmente, ela não me viu entrar para a faculdade de Jornalismo, que cursei com tanta paixão.

Devo a essa viagem à Fortaleza e aos meus pais, lembrando hoje especialmente de minha mãe, tudo que sou hoje. Se não tivesse ido, talvez não tivesse colocado a cabeça no lugar e ido passar um tempo de descanso em Cavalcante. Se não tivesse o feito, talvez não tivesse escolhido o curso que me abriu portas para o trabalho que desempenho há quase três anos e que muito me gratifica. Se não tivesse tido contato direto com o contraste entre a miséria do sertão de Pernambuco e as maravilhas do litoral cearense, além das obras que li naquele período, talvez não tivesse me aproximado da militância no PCdoB e não teria amadurecido o quanto amadureci como pessoa.

Obrigado mãe! Saudades!

quinta-feira, 5 de maio de 2011

Democracia brasileira no rumo certo!


“Há palavras que carregam o estigma do preconceito. Assim, o afeto a pessoa do mesmo sexo chamava-se 'homossexualismo'. Reconhecida a inconveniência do sufixo 'ismo', que está ligado a doença, passou-se a falar em 'homossexualidade', que sinaliza um determinado jeito de ser. Tal mudança, no entanto, não foi suficiente para pôr fim ao repúdio social ao amor entre iguais (Homoafetividade: um novo substantivo)”. (Maria Berenice Dias, em sua obra “União Homossexual, o Preconceito e a Justiça”, lembrada pelo Minsitro Ayres Britto em seu relatório)
 
Mais uma vez, o Supremo Tribunal Federal (STF) é protagonista de um imporatante debate. A Constituição de 1988 é, novamente, o argumento que trago aos leitores. O tema da vez é a necessidade de reconhecimento legal da união homoafetiva e a consequente outorga de direitos dele decorrente.
 
Começo pelos argumentos contrários. A primeira questão levantada pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) é a da "naturalidade" da relação homem/mulher, em oposição à "anormalidade" das relações homoafetivas. A lei brasileira estaria correta, no sentido de que o Art. 226 da Constituição de 1988, parágrafos 3º e 5º, e o Art. 1514 do Código Civil, deixam claro que a instituição familiar é composta pela união de um homem com uma mulher.

O segundo ponto no qual se agarram os religiosos seria o da finalidade "natural" do casamento. Segundo o Código de Direito Canônico, o sentido da união afetiva seria a geração e a educação de filhos e filhas. Portanto, permitir que homem se case com homem ou mulher se case com mulher é claudicar as condições essenciais para a sua finalidade. E vão além, dizendo que "uma união homoafetiva (casamento gay) não pode ser equiparada à formação de uma família", como consta em artigo na página da CNBB. O mesmo artigo afirma, ainda, que "a Igreja considera isso como suicídio da lei natural e dos vínculos sociais que a família estabelece como célula-mãe da sociedade".

O terceiro argumento que trago é o da "imposição" do "comportamento homosexual" sobre os indivíduos. Não estou exagerando. Diz a CNBB, que os homosexuais "exigem impor uma opinião unilateral ao que é irreformável: a lei natural e positiva estabelecida pelo Criador". Nós, cidadãos, não poderíamos aceitar essa arbitrariedade dos infiéis.

Minha contra-argumentação começa voltando a mencionar o relatório do Minsitro Ayres Britto (STF), já citado em epígrafe. Diz o eminente jurista que "o sexo das pessoas, salvo expressa disposição constitucional em contrário, não se presta como fator de desigualação jurídica". Importante, nos dias atuais, lembrar que homem e mulher dotam de iguais direitos e deveres.

Ora, o objetivo da recente decisão é nada mais que nossa Corte Suprema "declare: (a) que é obrigatório o reconhecimento, no Brasil, da união entre pessoas do mesmo sexo, como entidade familiar, desde que atendidos os requisitos exigidos para a constituição da união estável entre homem e mulher; e (b) que os mesmos direitos e deveres dos companheiros nas uniões estáveis estendam-se aos companheiros nas uniões entre pessoas do mesmo sexo", como propõe a Procuradoria Geral da República (PGR).

É fato que a homosexualidade, ou as relações amorosas e sexuais entre pessoas do mesmo sexo, sempre existiu ao longo da história da humanidade. É fato, também, que ela começou a ser reprimida, ao menos no ocidente, após a consolidação do cristianismo como religião dominante. Devemos lembrar que tratamos aqui do próprio reconhecimento, por parte do Estado, dos homosexuais enquanto cidadãos, e não de sua aceitação por uma religião A ou B.

Prossegue a PGR: "Com efeito, a superação de certas visões preconceituosas e anacrônicas sobre a homosexualidade, como a que a concebia como 'pecado' - cuja adoção pelo Estado seria francamente incompatível coms os princípios da liberdade de religião e da laicidade (CF. arts. 5º, inciso VI e art. 19, inciso I), - ou a que a tratava como 'doença', hoje absolutamente superada no âmbito da Medicina e da Psicologia, não subsiste qualquer argumento razoável para negar aos homosexuais o direito ao pleno reconhecimento das relações afetivas estáveis que mantêm, com todas as consequências jurídicas disso decorrentes." Ao meu ver, esse pequeno trecho rebate de forma definitiva todos os argumentos levantados pelo segmento religioso.

Faço agora minha crítica pessoal. Ao estabelecer que a família é a "base da sociedade", o Art. 226 da Carta Magna já afronta diretamente o princípio da laicidade! De que modelo de família estamos falando? Não caberia neste texto discutir a concepção marxista de família, enquanto meio de propagação da ideologia dominante. Seria demais, também, explorar o anacronismo da sociedade patriarcal, que encontra seu pilar no modelo de família cristão. O que vale dizer é: se é reconhecido o efeito civil do modelo religioso de união, por que não o reconhecer aos demais? A democracia sai vitoriosa com a decisão do Supremo Tribunal Federal!

(Link para artigo citado: http://www.cnbb.org.br/site/articulistas/dom-aldo-di-cillo-pagotto/897-homofobia)