quarta-feira, 10 de novembro de 2010

A verdade sobre o financiamento da saúde pública no Brasil



Na última semana, teve destaque o debate sobre um tema crucial para o próximo governo: a saúde pública. Os grandes veículos de comunicação se limitaram a falar sobre a possível “recriação” da famigerada Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira, a CPMF. Creio que o debate central, no entanto, deve ir além, e procurar sanar o problema da ineficácia do Sistema Único de Saúde (SUS), que serve de exemplo para o mundo, mas que não consegue atender com qualidade o povo brasileiro.

O ministro da Saúde, José Gomes Temporão, tem dito que há um “subfinanciamento crônico” do SUS. Segundo ele, para que sejam solucionados todos os problemas do nosso sistema, seriam necessários investimentos adicionais na casa dos R$ 60 bilhões ao ano. Aí que se encaixa a discussão acerca do fim da CPMF, que, na opinião do ex-secretário de Saúde do Ceará João Ananias, acarretou em redução dos investimentos numa cifra de R$ 42 bilhões anuais. Ananias, que foi eleito deputado federal pelo PCdoB cearense, afirmou que a derrubada da CPMF foi um verdadeiro “crime de lesa-pátria”.

A CPMF foi criada em 1997, no governo de Fernando Henrique Cardoso (FHC). Destinava-se, segundo o então ministro Adib Jatene, a reforçar o orçamento da saúde pública. Outro camarada do PCdoB, o deputado estadual amazonense Eron Bezerra, criticou recentemente, em artigo publicado, os desvios de recursos que ocorreram naquele período. “No governo FHC (a CPMF) serviu para comprar goiabada e outros quitutes palacianos; ajudou a fazer superávit primário para tranqüilizar banqueiros e especuladores de toda ordem; também foi usada para tapar eventuais desmandos da previdência”, disse.

No governo Lula, embora não tenha havido uma solução definitiva para esse problema, a utilização da montanha de dinheiro arrecada pela CPMF foi moralizada, e os recursos passaram a ser mais bem distribuídos entre os Estados. Essa, provavelmente, é a explicação para a mobilização que ocorre atualmente entre os governadores eleitos a favor do retorno dessa contribuição. Como Dilma prometeu em campanha a ampliação dos investimentos em saúde, e 14 governadores de diferentes partidos já se posicionaram no mesmo sentido, é de se esperar que haja um consenso nacional acerca do tema.

Porém, a oposição apressou-se em rechaçar veementemente a criação de um novo tributo para financiar a saúde pública. Com exceção de alguns governadores eleitos, a exemplo de Antônio Anastasia (PSDB-MG) e Teotônio Vilela Filho (PSDB-AL), os líderes tucanos e do DEM já se posicionaram contrários a uma medida nessa linha. Em entrevista, o deputado estadual reeleito Daniel Goulart (PSDB-GO) afirmou que o problema não é carência de recursos, e sim incompetência na gestão. Os governadores eleitos pelo DEM chegaram a iniciar uma verdadeira campanha de oposição a criação de novo tributo.

Os argumentos são muitos, sobretudo a altíssima carga tributária que recai sobre os brasileiros, mas a verdade escondida sob a máscara da defesa do interesse público é outra. No mesmo artigo já citado, Eron Bezerra expõe os fatos. “A CPMF atirou no que viu e acertou no que não viu e nem previu. Sem querer o governo (FHC) acabara de criar o mais eficiente instrumento de controle da movimentação de grandes fortunas que passeavam pelo sistema bancário sem que essa montanha de recursos encontrasse correspondências nas declarações de imposto de renda. Eureca! O governo tinha agora um poderoso instrumento de rastreamento de sonegadores como jamais dispôs”, diz. Evidentemente, o ônus acaba recaindo sobre o povo, através das planilhas de custos dos empresários que repassam para os consumidores as despesas que deveriam ser deles. O problema que deve ser sanado é esse, ao invés de extinguir-se um tributo que taxa os poderosos.

Ademais, as altas cargas tributárias não são um problema em si. Na verdade, o que prejudica o povo é a discrepância entre o que é repassado ao Estado e o que retorna em forma de serviços. A Dinamarca, a Suécia e a Noruega, por exemplo, possuem cargas mais pesadas que a brasileira. Nesses países, a população paga taxas que chegam à marca dos 48%. No Brasil, pagamos atualmente algo em torno de 35% de tributos. Além disso, no atual governo houve a menor elevação dessa carga desde o fim da ditadura militar. Desde que se tenha acesso pleno a educação, saúde, cultura e demais serviços públicos de qualidade, ninguém se importará em pagar impostos.

Como disse Eron Bezerra, o financiamento da saúde, necessário e inadiável, deve vir da taxação de grandes fortunas. É necessário garantir que não haja desvio de recursos para outros setores, como houve na CPMF. Devemos, também, encontrar um instrumento que efetivamente possa fazer o que mais apavora a direita brasileira: o controle sobre a sonegação que eles praticam a luz do dia. Mesmo sendo oposição ao governo tucano, o PCdoB votou a favor da criação da CPMF. Por coerência, nosso partido deve se posicionar a favor de um novo tributo que melhore o atendimento à saúde do povo brasileiro.

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Às flores rebeldes

Em homenagem à primeira mulher eleita presidente do Brasil, publico uma poesia que escrevi a mais ou menos 1 ano atrás, e que citei no post passado. A imagem que ilutra esta postagem é do belo quadro Irises, do inconfundível Van Gogh. Espero que esse momento de sensibilidade artística em meio aos debates políticos toque um pouco meus leitores e leitoras.


“Senhor - recomeçou com ar solene -, a pobreza não é um vício, evidentemente!
[...] Mas a indigência, a indigência é um vício.”
(Crime e Castigo – Dostoiévski)

Lágrimas pesadas prostram-me sobre o solo,
Não sou menos homem por sentir tal dor.
Conceitos retrógrados, com fervor, degolo,
Ao me assumir sensível, ao sentir amor!

Não é só uma pessoa que, agora, me faz triste,
Mas sim, uma condição da máquina social,
Um anacronismo funesto que resiste:
A concepção machista da moral.

Tu, mulher, és vítima de um pensamento vencido
Pelo brado valente da emancipação!
Porém, nosso povo persiste adormecido
Nos tempos passados da recusa à razão.

Revolta-te ó gênero forte,
Mostra tua cara a este país.
Evita, com mãos próprias, tua morte.
Tu queres e podes ser feliz!

Assumir tua independência é só o que imploro,
Pois esse sistema jaz moribundo.
Não é só perante ti que choro,
Mas frente toda injustiça do mundo.

Levanta-te e marcha junto a tua classe!
Arrebente as correntes que ferem teus pés.
Infeliz seria se lhe bastasse
O nada que tevês, o pouco que tens.

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Eleger Dilma é afirmar a emancipação feminina

Nesta quarta-feira (27), enquanto os movimentos sociais realizam em Goiânia a “Marcha das Mulheres com Iris e Dilma”, me ponho a refletir sobre esse segmento historicamente oprimido pela sociedade capitalista. Elas, que representam algo em torno de 52% da população brasileira, ocupam pouco mais de 6% das cadeiras do Congresso Nacional. A distorção representativa entre os gêneros é tão grande como entre as classes sociais.

Além de não estarem devidamente representadas nos espaços de poder, são obrigadas a conviver com a violência doméstica, salários mais baixos que homens que desempenham as mesmas funções, ausência de assistência do poder público às suas necessidades fundamentais e, ainda, a desqualificação de sua relevância social devido ao machismo retrógrado reforçado pelas instituições capitalistas. A discriminação contra as mulheres é mais uma idéia difundida pelas “superestruturas”, tão bem esmiuçadas por Marx. É uma questão cultural, muitas vezes inconsciente.

O movimento feminista, de forma legítima, dentre outras reivindicações cobra a paridade salarial entre homens e mulheres que desempenham tarefas semelhantes. Eu vou além. Se nossas mulheres passaram 500 anos recebendo menos que os homens, nada mais justo que passem, no mínimo, outro meio milênio recebendo mais. Essa é apenas uma pequena reparação histórica que o Estado deve às construtoras da nação.

Isso não vai apagar do passado as inúmeras Marias da Penha que foram covardemente agredidas por seus companheiros; não corrigirá o descaso dos nossos governos para com as mães, que não têm sequer creches para deixar seus filhos e filhas enquanto trabalham; não diminuirá o efeito pernicioso causado pelas conhecidas piadinhas preconceituosas. Porém, o simples fato de o Estado reconhecer sua dívida com as mulheres é fundamental para realizarmos o avanço que queremos.

Para finalizar, conclamo as mulheres brasileiras a participarem da vida política nacional. Que não participem somente votando, o que é importante, mas sendo votadas, eleitas e ocupando de forma massiva todas as instâncias de poder da República brasileira. Por isso e por outros motivos, é hora de eleger a primeira mulher presidente, e provar ao mundo que o Brasil avança a passos largos rumo à democracia plena. Eleger Dilma é afirmar que é hora de consolidarmos a emancipação feminina.

Encerro com versos que um poema que escrevi a pouco mais de um ano atrás, chamado “Às Flores Rebeldes”. “Revolta-te ó gênero forte,/Mostra tua cara a este país./Evita, com mãos próprias, tua morte./Tu queres e podes ser feliz!” É Dilma 13, para o Brasil seguir mudando!

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

A laranja verde não amadurece até 31 de outubro

A primeira consideração que faço diz respeito à realização do 2º turno na disputa pelo Palácio do Planalto. Em minha opinião, a eleição de Dilma Rousseff (PT) já no dia 3 de outubro era fato inevitável. No entanto, dois fatores fundamentais ocasionaram uma grande alteração nas tendências eleitorais: o surpreendente crescimento da senadora Marina Silva (PV), e a campanha suja empreendida pela assessoria de imprensa de José Serra (PSDB), leia-se Rede Globo, Folha de São Paulo, etc.

A fantástica votação dedicada à candidata verde surpreende porque, enquanto ex-petista, Marina não teve condições de se posicionar nem como candidata de oposição, nem de situação. Ela deixou o governo aos 43 (ou 45) do segundo tempo, com o pretexto de não concordar com a política ambiental executada pelo presidente Lula. Mas será que uma revolta tão repentina, às vésperas do pleito eleitoral, se justificaria? Ela passou mais de sete anos na base lulista!

Talvez, a segunda questão explique os quase 20 milhões de votos obtidos pela senadora, não previstos por nenhum instituto de pesquisa respeitável. Nos últimos 15 dias de campanha os veículos de comunicação, tomados pelo desespero de ver seu candidato afundar mais depressa que o Titanic, focaram ataques cruéis na candidata petista. Os jornalões, redes de rádio e TV e a internet se encheram de afirmações ofensivas e falaciosas contra Dilma.

O nível foi tão baixo, que a candidata do presidente Lula chegou a ser chamada de homossexual, por ser favorável à união civil entre cidadãos do mesmo sexo. Acredito que a responsabilidade maior pela queda da candidatura de Dilma deve ser creditada à pecha de “defensora do aborto”. Ela perdeu o importante apoio de grande parcela do segmento religioso, que se deslocou para a base da evangélica Marina Silva.

Neste texto, não entrarei no mérito das acusações. O fato é que todas as calúnias serviram para acentuar o crescimento da chamada “onda verde”, que está mais para “onda laranja”. Quem votou em Marina, sem querer, foi diretamente responsável pela chegada de Serra ao 2º turno. O candidato de Fernando Henrique Cardoso possui entre 30 e 35% das intenções de voto desde o ano passado, e assim deve permanecer até o fim do processo eleitoral.

A vantagem das forças progressistas é que, salvo raras exceções, os votos transferidos de Dilma para Marina dificilmente migrarão para Serra. Isso porque são votos ideológicos, que não concordam com a política neoliberal defendida pelo PSDB. Claro que será necessário um empenho da campanha vermelha em desfazer o estrago feito pela mídia golpista.

Marina, visando manter condições favoráveis para 2014, deve se manter neutra. Apoiar qualquer um dos presidenciáveis seria suicídio político. No entanto, essa iminente neutralidade não afetará a decisão de seu eleitorado. O grande contingente dos eleitores que optaram por votar no PV pode ser dividido em três grupos predominantes: os que votaram por convicção ideológica acerca da questão ambiental, e os que rejeitam ou o PT ou o PSDB.

Os primeiros, dificilmente aceitarão apoiar Serra, que já taxou os ambientalistas de militantes de “muito discurso e pouca prática”. A divisão entre os anti-petistas e anti-tucanos deve ficar bem semelhante, anulando-se uns aos outros. Isso seria suficiente para consolidar ampla vantagem para Dilma. Para seguir mudando, o Brasil só precisa ficar atento ao bombardeio midiático que ocorrerá em outubro.